O ciclo do Marabaixo, uma das tradições culturais mais vibrantes do Amapá, é repleto de rituais que se mantêm vivos através das gerações. Um desses rituais, o “Almoço dos Inocentes”, carrega consigo uma história de fé, devoção e resistência da comunidade negra de Macapá.
Na era do governador Janary Nunes, durante o tempo em que o Amapá era território federal, a urbanização trouxe mudanças significativas. As famílias negras, que celebravam o Marabaixo em frente à Igreja de São José, foram removidas dessa área. Essa mudança dividiu a comunidade: parte foi para o bairro da Favela, hoje chamada de Santa Rita, e outra parte para o Laguinho. A separação e a saudade desse tempo são narradas em versos do “ladrão de marabaixo” escrito e cantado por Gertrudes Saturnino de Loureiro, uma das líderes mais influentes do Marabaixo.
“Pelo jeito que estou vendo querem me deixar sozinha
vou com uns para a Favela os outros vão pro Laguinho”
Gertrudes Saturnino de Loureiro é uma figura central na história do Marabaixo em Macapá. No bairro da Favela, ela não só manteve viva a tradição, mas também inovou. Criou o quadro de sócios da “Santíssima Trindade dos Inocentes” para garantir a continuidade anual da festividade. Além disso, ela educava as crianças e jovens da comunidade, reunindo-os todas as tardes para ensinar a tocar caixa, cantar o ladrão e dançar o Marabaixo.
A origem do “Almoço dos Inocentes” está profundamente ligada a uma promessa feita por Gertrudes. Sua filha, Natalina Costa, enfrentou dificuldades para completar uma gestação, sofrendo abortos espontâneos frequentes. Em um momento de desespero e fé, Gertrudes prometeu à Santíssima Trindade que, se sua filha conseguisse levar uma gravidez a termo, ela realizaria anualmente o ciclo do Marabaixo na Favela em louvor à Trindade.
Natalina, com as graças alcançadas pela intervenção da Santíssima Trindade, deu à luz não apenas uma criança, mas trouxe ao mundo12 filhos, todos marabaixeiros e marabaixeiras.
Cumprindo a promessa, Gertrudes iniciou o “Almoço dos Inocentes”, uma celebração anual onde doze crianças, com idades entre 2 e 6 anos, participam de um banquete especial servido pelos festeiros do ciclo. Este evento simboliza a pureza das crianças e presta homenagem a Santa Ceia de Jesus Cristo e à Santíssima Trindade.
O “Almoço dos Inocentes” não é apenas uma comemoração, mas uma manifestação de fé e resistência cultural. Ele representa a continuidade das tradições e a perpetuação da identidade cultural da comunidade negra de Macapá. As crianças, participantes do evento, são a prova viva de que a cultura do Marabaixo segue firme, passando de geração em geração, tudo isso, a partir de uma promessa feita por “Tia Gertrudes”, que hoje empresta seu nome ao espaço cultural (barracão) onde ocorre o ciclo do marabaixo da Favela.
Em meio às mudanças urbanas e sociais, o ciclo do Marabaixo e o “Almoço dos Inocentes” permaneceram como pilares da herança cultural do Amapá. A liderança de figuras como Gertrudes Saturnino de Loureiro e a devoção das famílias envolvidas garantem que essa tradição continue a ser celebrada, mantendo viva a história e a fé da comunidade.
O Marabaixo, com suas batidas, cantos e danças, segue ecoando nas ruas e avenidas da Favela, lembrando a todos a resiliência e a riqueza cultural que definem o povo do Amapá.
O tradicional “Almoço dos Inocentes” acontece neste domingo, 26, no barracão da Tia Gertrudes, com a seguinte programação:
No Barracão Tia Gertrudes – Av.Duque de Caxias 1203 – S.Rita.
09h – Missa
10h – Café da Manhã
12h – Almoço dos Inocentes
Após o almoço – tarde lúdica
17h as 21h – Música ao vivo
Com informações de Cláudio Rogério